domingo, 10 de novembro de 2013

I hear its wonderful in California...


Acordar, olhar novamente para o teto, continuar se perguntando como veio parar aqui, põem roupão, tira roupão, “será que já tenho intimidade para um roupão?”, põem roupão de novo, dá passos leves, respira aliviado quando entra no banheiro, “tomar banho de pé em uma banheira?”, mais uma vez se perguntar como veio parar aqui, “quem toma banho de pé em banheira?”, rir sozinho, ver o fluxo contrário da privada, entrar no banho, achar que está tudo bem, merda, alagar o banheiro, “maldita cortina fina”, menos de 48hr longe de casa e já causou, toalha ensopada, travar uma guerra com a ordem e a boa educação, sair como uma dama, nada aconteceu, seguindo em frente, mais passos leves, outro leve suspiro quando chega no quarto, escolhe roupa, troca roupa, controle, dobra e coloca na gaveta, se olha no espelho, discurso mental motivador, sai do quarto, entra no quarto, arruma a cama, tenta arrumar a cama, descobre que é um desastre nisso, só estica o edredom por cima de tudo, se sente uma diarista, pensa na mãe, “você vai ter que se cuidar lá", mãe... fica um pouco mais orgulhoso por ter arrumado a cama, se olha no espelho novamente, turbilhão de pensamentos, expectativas, primeiro vôo solo, socos no ar, “eye of the tiger”, passa a loucura, desce casual, bom dia para a nova família, conversa sobre o tempo, conversa sobre seu país, cereal, come intensamente para evitar mais conversa, lava a louça, “mais essa, mãe, pra você!”, revisão nos horários, orientação de ponto de encontro, acha que entendeu tudo, não tem tanta certeza, simbora, cabeça pra frente, nova rotina, respira fundo e está pronto para sua nova “nada mole” vida. Ou acha que está, até ver que acabou se perder na escola e vai chegar atrasado na primeira aula, só resta esperar, música, música, mais música, sala 306, felicidade inigualável, tristeza inigualável, inglês, biologia, história dos Estados Unidos, fotos das ruas, fotos das paisagens, fotos dos lagos, fotos bobas de si mesmo, encontra outros brasileiros, felicidade inexplicável, alívio por falar português, pergunta o que está achando, se pergunta mais uma vez como veio parar aqui, nostalgia da sua cidade e seus costumes, volta para casa, mais um pouco de desespero, indagações e incertezas se tudo vai dar certo, só quer voltar para casa e não se preocupar, momento ruim, fome bate, fast food, seu cartão não passa, sem dinheiro vivo, a fome te dá um chute na barriga, “só comigo, não pode ser…”, já imagina toda a burocracia para um cartão novo – que passe, de preferência, encontra uma pessoa conhecida, fala da situação de merda, mesmo sem te dever nada ela te paga um lanche, obrigado, obrigado e mais uma vez obrigado, ombro amigo, “é aquele lugar que não aceita visa, fica tranquilo, aconteceu com fulano”, um sorriso surge no canto da boca, incertezas vão desaparecendo e pela primeira vez você esquece que está longe da sua família, voando por suas próprias asas; e isso porque existem pessoas na mesma situação, que te vêem como um pedaço de casa, como um conforto, independente da região, sotaque, cor de pele, aparência e/ou gostos. Confiança retorna à cabeça e sabe que não está mais sozinho, está finalmente pronto para viver o que a experiência proporciona, esquece todos os problemas que já teve, agora tem um celular que te deixa conectado com sua nova “família”, duas mil mensagens em dois dias, começa a conhecer as pessoas a fundo, reclama dos americanos anti-sociais, gargalhadas sem fim da estranheza da nova cultura, “aquela menina está de pijama na escola? Sou só eu que acho estranho?”, gargalha mais ainda com o comentário esdruxulo, começa a dividir o peso das saudades nas costas dos seus amigos, o tempo começa a melhorar, já acerta a rota para o shopping de primeira e isso porque quer ver ansiosamente aquele menino do sorriso bonito que te lembra alguém, vê as pessoas novas tendo o mesmo problema com o cartão, se sente veterano de guerra ajudando, expande seu grupo social, já esqueceu completamente a meta de conhecer americano, agora só quer se aproximar para descobrir festas e contar para os seus parceiros, o tempo vai passando e a vida levando, fica surpreendida como passou rápido, olha para um lado e vê uma irmã, olha para o outro e vê a outra irmã, já não vive mais sem, começa a cultivar um ódio pelas outras culturas, vê que Brasil é vida, os laços se tornam ainda mais intensos e finalmente você está vivendo, você está aproveitando. E o melhor de tudo é a possibilidade de dividir isso com pessoas que você – já nessa altura – sabe que ama, sabe que cobriria a retaguarda e sabe que existe a reciprocidade da coisa, porque aqui, nessa loucura fria, o sangue é vermelho e somos todos iguais. Mais um problema, ontem faltavam 6 meses para a volta, hoje faltam 59 dias, você se vê em uma situação complicada, sua vida anterior é uma lembrança, intercâmbio é realidade, vir para cá é até logo, voltar para lá é adeus, aflição, nostalgia prematura, vontade de ficar para sempre, agradecer constantemente à todos pela oportunidade de esboçar um sorriso todos os dias, negação, a vida bate na sua porta e pede para você acordar do sonho, mesmo “faltando 59 dias” voltar para o Brasil ainda é algo do futuro, tenta não pensar, discursos motivadores para aproveitar os últimos dias juntos, confiança, “como você está se sentindo?”, “minha ficha ainda não caiu”, a gangue começa a se despedaçar: alguns estão indo embora, chororô, mais chororô, lágrimas de um rio, superação, independente do caminho que cada um siga estarão todos sempre no coração e você começa a entender. Não se trata do lugar, a experiência e/ou a nova cultura; se trata sobre suas relações, laços intensos, sorrisos aconchegantes e um pedaço de casa na forma da melhor simpatia possível no papo de cada um. Sem isso nada seria, gratidão, “Damn, I'm gonna miss you!”, começa a engolir pesado só de pensar que mais e mais pessoas vão ficar para trás, volta a ser fraco e se encontra novamente nas dificuldades de seis meses atrás, mas dessa vez diferente: todas as páginas estão escritas e o sentimento de terminar de ler um livro épico vem à tona, levando você à aplausos pela belíssima história contada. Percebe que, – no final das contas – nunca teve dificuldades e nada se compara a “largar os protagonistas do seu show”, sem eles o palco é grande e solitário, o herói se ofusca e os aplausos não são tão altos. E como todos sabem, brasileiros são barulhentos e aplausos baixos não são uma opção, por isso nos agarramos uns aos outros a cada segundo e brindamos ao mundo pelo nosso sucesso – bem alto -, para assim, podermos imprimir nossas marcas por onde passamos… Ou por quem passamos… E isso, meus amigos, fiquem tranquilos que vocês fizeram bem: não importa o lugar que cada um esteja no mundo – seja hoje ou amanhã-, vocês sempre terão meu respeito, minha gentileza e meu coração; em memória desses incríveis, insubstituíveis e indiscutíveis dias que passamos um do lado do outro. O tempo de nossas vidas! E eu ainda não me conformo com essa idéia futil de ''mas já está acando...'' para mim isso não nunca vai ter fim.




36 dias para ver minha família.
59 dias para voltar para...casa(?!)

Juu, xx.

Nenhum comentário:

Postar um comentário